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25/06/2018

O Video Assistant Referee (VAR), a Copa do Mundo e as prerrogativas do árbitro

Video Assistant Referee

A aplicação do VAR na principal competição do esporte e a atuação dos árbitros.

 

Temos acompanhado com atenção a utilização inédita do VAR na maior competição do esporte, a Copa do Mundo da FIFA. Realizado na Rússia, o evento é a segunda edição da história a contar com a utilização de recursos tecnológicos. A primeira foi a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, a qual estreou a Goal-Line Technology, tecnologia que auxilia os árbitros da partida a decidir se a bola ultrapassou, ou não, a linha do gol.

A adoção do VAR ocorreu em um cenário no qual graves erros de arbitragem foram identificados, assim como incidentes que passaram despercebidos. O caso mais famoso ocorreu na Copa do Mundo FIFA de 2014, quando o atleta Luis Suarez, do Uruguai, mordeu o atleta Giorgio Chiellini, da Itália, em partida válida pela fase de grupos da competição. O atleta uruguaio não foi punido no ato, mas, sim, após a partida, o que possibilitou a sua continuidade no jogo e, consequentemente, a possibilidade de influência no resultado. Casos como este impulsionaram a adoção do VAR o qual, em 2016 foi integrado para testes e, em 2017, incluído oficialmente no regulamento Laws of the Game (“Regras do Jogo”) da International Football Association Board (“IFAB”).

Definição e atribuições

O VAR é um árbitro assistente da partida, com acesso às imagens e replays, que podem ajudar o árbitro principal somente nos casos de “erro claro e óbvio” ou “grave incidente” o qual tenha passado despercebido. O VAR possui as mesmas prerrogativas dos demais árbitros assistentes. As situações de jogo passíveis de revisão são:

a) Gol/Não Gol;

b) Pênalti/Não Pênalti;

c) Cartão vermelho direto e

d) Erro de identificação de infrator (quando um atleta é erroneamente advertido com cartão vermelho ou amarelo, no lugar de outro).

Não é permitida a revisão de outras situações de jogo além das citadas.

As prerrogativas do árbitro

Apenas o árbitro principal detém a prerrogativa de iniciar uma revisão, ou seja, fazer uso do VAR nas situações acima elencadas. O VAR e os demais árbitros assistentes podem apenas recomendar uma revisão e não tem participação direta nas decisões finais. O árbitro pode, inclusive, ignorar a mera recomendação de revisão e, consequentemente, não olhar as imagens do lance em questão, se assim entender pertinente.

A revisão contínua do VAR

O VAR avalia toda e qualquer situação passível de revisão. Caso exista a real necessidade de revisar uma jogada, o VAR recomenda ao árbitro, o qual pode iniciar a revisão ou não. Desse modo, o árbitro de vídeo funciona como um “filtro” para que o árbitro possa, de fato, analisar apenas os lances os quais mereçam atenção. Caso o VAR não identifique uma jogada como erro claro e óbvio, a recomendação de revisão não é passada ao árbitro. A IFAB orienta a repreensão de atletas e comissão técnica os quais pressionarem o árbitro para a revisão de uma jogada exatamente pelo fato do VAR já estar atento aos lances importantes. A área reservada à operação do VAR é inviolável, sendo a aproximação ou invasão de atletas ou comissão técnica punidas com advertência ou até a expulsão destes da partida.

O procedimento das revisões

 O árbitro pode iniciar uma revisão de um possível “erro claro e óbvio” ou grave incidente” o qual tenha passado despercebido quando o VAR (ou outro arbitro assistente) recomende uma “revisão” ou quando o próprio árbitro suspeite que algo grave passou despercebido. O VAR se comunica com o árbitro, por meio de ponto eletrônico, dizendo “revisão” e indicando a natureza da revisão, por exemplo, “jogada violenta” (passível de aplicação do cartão vermelho). A comunicação entre o VAR e o árbitro ocorre em tempo integral, sem interrupções e há, ainda, a gravação de todas as conversas.

Caso o árbitro entenda que seja o caso de revisar a jogada, este deve fazer o sinal, com as mãos, semelhante a uma TV, gesto este copiado do Rugby, indicando que usará o auxílio do VAR e, ato contínuo, optar por duas situações: tomar a decisão final com base nas informações meramente auditivas proferidas pelo VAR ou dirigir-se a área de revisão do árbitro, onde há uma TV posicionada, para ver as imagens e replays. No caso da segunda opção, a fim de demonstrar transparência, o árbitro deverá estar “visível” para todos os sujeitos da partida enquanto revê o lance em questão.

Conforme prevê o protocolo do VAR, nas Regras do Jogo da IFAB, a decisão original do árbitro não será alterada a menos que haja um “erro óbvio” (isso inclui qualquer decisão tomada pelo árbitro com base em informações de outro assistente, por ex. impedimento). Após analisar as imagens, o árbitro deverá fazer novamente o sinal de uma TV e anunciar sua decisão final.

Prezando pela precisão nas decisões, a IFAB não determina qualquer limite de tempo para a análise do vídeo e posterior decisão final.

O momento das revisões

A partir do evento objeto de revisão, o árbitro, caso a partida não esteja paralisada, deverá interrompe-la para iniciar a revisão. Não pode haver revisão de qualquer jogada depois de praticado um ato de reinício da partida, tais como cobrança de lateral, falta, escanteio, tiro de meta e saída do meio de campo após marcado um gol. Caso a jogada tenha continuidade e, no curso desta, o árbitro receber a recomendação de revisão, este deverá paralisar a partida quando a bola estiver em campo neutro (próximo ao meio campo), a fim de não prejudicar o ataque de nenhuma das equipes.

Os eventos passados entre o evento objeto de revisão e a paralisação da partida não serão anulados, salvo no caso de cartão vermelho por interrupção de ataque promissor.

 O “desafio” e a regra 5 das Regras do Jogo

A principal crítica ao VAR, nesse momento é o fato do árbitro ser o único sujeito legítimo para requerer a utilização do recurso. Em outros esportes, por exemplo, há o “desafio”, em que uma equipe ou atleta pode requerer a revisão da jogada que, caso esteja correta, acarretará na perda de um benefício pelo desafiante. No futebol americano, o desafiante que “errar” o desafio perde um tempo técnico ao qual tem direito. No vôlei e no tênis, caso o desafiante erre o desafio, perde o direito de discutir as decisões do árbitro novamente.

O principal impeditivo para a implementação do “desafio” na aplicação do VAR está na regra número 5 das Regras do Jogo, na qual é tratada a figura do árbitro. Na mencionada regra, o árbitro é tratado como soberano sobre todas as decisões de campo, não tendo seu poder delegado a outrem. Nesse sentido, a implementação do “desafio” apenas será possível após a flexibilização do poder do árbitro constante da regra número 5 das Regras do Jogo.

Anulabilidade da partida pela utilização do VAR e erro de direito

Considerando que o protocolo do VAR está inserido nas Regras do Jogo, a não observância dos critérios de utilização deste, naturalmente, consistirá em violação das Regras do Jogo e, consequentemente, em erro de direito. Consiste em erro de direito a aplicação errônea das Regras do Jogo pelo árbitro da partida. A existência do erro de direito, dependendo de sua gravidade e influência no resultado final da partida pode ensejar a anulação desta.

Sobre a anulabilidade da partida por eventos envolvendo o VAR, as Regras do Jogo aduzem que não será passível de anulação as partidas nas quais ocorrer:

a) Mal funcionamento da tecnologia do VAR;

b) Decisão errada envolvendo o VAR;

c) Decisão do árbitro em não rever uma jogada; e

d) Revisão de uma jogada não passível de revisão, tal como escanteio e lateral.

A determinação de impedimento de anulação da partida nas hipóteses acima mencionadas causa certa obscuridade na interpretação das Regras do Jogo visto que, ao mesmo tempo que o árbitro não pode revisar certas situações de jogo, a partida não pode ser anulada por conta disso, ou seja, não há sanção caso o árbitro descumpra o determinado pelo protocolo do VAR.

O mesmo ocorre em situações em que há a possibilidade de revisão de uma situação originalmente não passível de revisão cumulativamente a uma situação passível de revisão. Por exemplo, caso um árbitro, após revisão da jogada, resolver marcar um pênalti, não poderá, em tese, advertir o infrator com o cartão amarelo, já que a revisão das jogadas só são permitidas sobre condutas as quais ensejem a aplicação do cartão vermelho. Outro problema ocorreria, caso o VAR recomendasse uma revisão de jogada violenta, e o árbitro, após a análise das imagens, entendesse que a conduta ensejaria a aplicação apenas do cartão amarelo. Entretanto, o protocolo do VAR impede que o mencionado cartão amarelo seja aplicado já que as revisões só podem ocorrer para a aplicação do cartão vermelho direto.

A atuação do VAR durante a Copa do Mundo da FIFA 2018

Não é necessário esperar o fim da Copa do Mundo da FIFA 2018 para chegar à conclusão de que o VAR será instrumento decisivo para o árbitro daqui para frente. Do mesmo modo, é claramente visível que o VAR poderá sofrer algumas modificações a respeito de sua aplicação, dadas as fortes críticas voltadas a exclusividade do árbitro principal em meramente acionar a tecnologia. A partida entre Brasil e Suíça, válida pela primeira fase, já é mostra de que o VAR pode evoluir para melhor. Em duas ocasiões envolvendo a equipe brasileira, o árbitro decidiu sequer analisar as imagens. Tal decisão foi considerada polêmica justamente pela utilização extensa do VAR, por outros árbitros, durante a Copa do Mundo. Para efeito de registro, metade dos pênaltis foram marcados após revisão do VAR. Há de se observar qual será a resposta da FIFA a respeito das duras cobranças feitas pela Confederação Brasileira de Futebol.

Conclusão

O mundo do futebol está diante de um momento histórico, já que implementação do VAR marca a transparência nas decisões dos árbitros da partida, outorgando credibilidade à modalidade e afastando, ainda, as sempre frequentes suspeitas de manipulação de resultados. A implantação gradual do VAR em todas as federações vinculadas a FIFA é necessária para o melhor desenvolvimento do futebol.

Entretanto, nesse primeiro momento, algumas obscuridades do protocolo do VAR como, por exemplo, as hipóteses de não anulabilidade das partidas, fará com que as discussões sobre a efetividade do VAR sejam extensas até que este atinja o modelo ideal adequado especificamente ao futebol. Há de se debater, por muito, as hipóteses de erro de direito que serão naturalmente suscitadas ao passo que o VAR vá ganhando lastro de atuação.

Cabe aos operadores do direito, bem como aos profissionais de arbitragem, lidar com as iniciais obscuridades, a fim de identificar o modelo ideal do VAR aplicado ao esporte bretão.