Por Laura Ignacio, Zínia Baeta, Beatriz Olivon e Francisco Góes | De São Paulo, Brasília e Rio
Valor Econômico / 08.02.2019
Aumentou significativamente, nos últimos tempos, a possibilidade de prisão de dirigentes da Vale em razão do desastre em Brumadinho (MG). Isso porque, segundo especialistas, após o Mensalão e a Operação Lava-Jato, os juízes estão mais rigorosos e mais confortáveis para tomar medidas cautelares, como as prisões preventivas. “Essa tem sido a política do Judiciário dos últimos tempos”, diz um advogado criminalista que prefere não se identificar. Contudo, a jurisprudência mostra que a condenação penal final de empresários por crimes decorrentes de desastres ambientais – o que inclui a acusação de homicídio – é escassa.
Para advogados, o Judiciário poderá usar para determinar as prisões, por exemplo, o conteúdo da troca de e-mails entre engenheiros externos e profissionais da Vale, divulgados recentemente, que mostrou que os problemas na barragem I de Brumadinho eram conhecidos. Existe a possibilidade legal de condenação penal por omissão, se for demonstrado que os executivos sabiam do risco de rompimento da barragem, uma comprovação que seria difícil.
De acordo com a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 1998) há omissão quando quem tem o dever legal ou contratual de garantir, por exemplo, que uma obra não lesará um rio, deixar de cumprir essa obrigação. Conforme o artigo 68 dessa lei, a pena é de detenção, de um a três anos, e multa. Ou de três meses a um ano e multa, se o crime é culposo. Além da possibilidade de responsabilização por crime ambiental, existe risco de acusação dos dirigentes por crime de homicídio – doloso ou culposo. As modalidades de culpa são a imprudência, a negligência e a imperícia.
No caso de Brumadinho, a possibilidade mais levantada por advogados é a acusação por crime com dolo eventual, que acontece quando já se vislumbrava o que poderia ocorrer. “Como não é a primeira vez que ocorre uma tragédia decorrente do rompimento de barreira, poderá haver acusação por dolo eventual”, diz o advogado André Gustavo Isola Fonseca, especialista em penal do Felsberg. “Mas acho que uma condenação por homicídio não seria factível porque não acredito que haveria como comprovar nexo de causalidade (vínculo entre a conduta do agente e o resultado ilícito)”, diz.
A punição da diretoria pelas mortes causadas em Brumadinho depende de provas difíceis de serem obtidas, segundo o advogado da área ambiental Fernando Dantas, do escritório Carvalho Dantas e Palhares. A responsabilização criminal exige a prova da conduta, segundo o advogado. “É uma prova difícil, passa por análise documental, perícia, uma série de questões que dificultam a imputação por crime de homicídio”, afirma.
Para a condenação por crime ambiental de omissão, a comprovação também não é simples, segundo o advogado especialista em direito ambiental do Felsberg, Fabrício Soler. Ele afirma ser necessário ficar demonstrado que os dirigentes tinham informação técnica suficiente evidenciando o risco a que estava exposta a barragem.
Outro criminalista alerta, no entanto, que a Justiça de primeira instância pode determinar prisões como forma de dar uma resposta à sociedade. “O juiz pode imputar a teoria do domínio do fato aos dirigentes da empresa, para justificar as prisões”, observa. Com base nessa teoria, mesmo quem não é o executor do ato criminoso pode ser responsabilizado por ter poder de decisão.
Neste momento, o maior risco é o de prisão preventiva, mas se isso ocorrer será ilegal, segundo Moroni Costa, responsável pela área penal empresarial do Bichara Advogados. “Seria uma antecipação de pena”, afirma. Ele concorda que os magistrados de primeira instância estão mais ousados. No entanto, com base no artigo 312 do Código Penal, que elenca os requisitos para as prisões preventivas, a medida não poderia ser tomada. “Que se saiba não houve tentativa de fuga, ameaça à testemunha ou destruição de provas, por exemplo”, diz.
Costa lembra que, nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a soltura de engenheiros que prestavam serviços à Vale. Para ele, isto indica que os pedidos deverão estar bem fundamentados e, no caso desses profissionais, não teriam sido apresentados elementos suficientes para justificar as prisões. Já para o advogado da área ambiental, Marcos Saes, seria difícil a prisão de alguém, neste momento ou ao fim de um processo, porque as penas previstas na Lei de Crimes Ambientais são baixas. Se a pena é de até quatro anos, é possível a transação da pena para a prestação de serviços comunitários, se o dano causado ao meio ambiente for reparado.
Além disso, quanto mais tempo se passa do rompimento da barragem, é menos provável a decretação de prisão preventiva, dizem os advogados. “A não ser que se descubra que hoje, por exemplo, um empresário tentou corromper investigador”, diz André Fonseca, do Felsberg. Já sobre eventual acusação por crime de omissão, ele afirma que se o presidente da Vale demonstrar que não tinha participação direta sobre o que causou o rompimento, porque outros funcionários cuidavam diretamente disso, não haveria nexo causal para justificar condenação à prisão. “Mas se o presidente também recebeu o e-mail com as informações sobre o risco de rompimento será possível o promotor dizer que o empresário sabia e deixou de fazer algo para evitar o desastre”, diz.
Na Justiça, condenações finais sobre esse tipo de caso são escassas. A maioria da jurisprudência entende que o fato de um empresário ocupar o cargo de dirigente não é suficiente para a medida. “Temos algumas decisões que consideram ineptas as denúncias nesse sentido, pelo fato de um dirigente não poder ser denunciado apenas por estar nessa posição”, diz Fonseca. É o caso da decisão da 6ª Turma do STJ, segundo a qual “necessário seria que estivesse descrito na denúncia se a atuação do administrador ou diretor da empresa denunciada contribuiu para a prática do dano ambiental”.
Dos casos similares ao da Vale, dois apresentam a possibilidade de condenação de dirigentes, inclusive de alto escalão: o caso Chevron – vazamento na Bacia de Campos, em 2011 – e o próprio caso Samarco, de 2015. Ambas denúncias foram recebidas e foi aberto processo penal contra os executivos, mas ainda não há um desfecho a respeito.
No caso Chevron, o então presidente, George Buck, foi denunciado por poluição, entre outros. Já o presidente da Samarco na época, Ricardo Vescovi, foi denunciado porque “mesmo conhecendo a situação típica de incremento de riscos não permitidos, tendo pleno conhecimento de suas responsabilidades como diretor-presidente da Samarco, e podendo e devendo agir para evitar o rompimento da barragem de Fundão, omitiu-se, assumindo o risco da produção dos resultados decorrentes”.
A Vale considera, segundo apurou o Valor, que está sendo “transparente” no fornecimento de informações às autoridades sobre a tragédia de Brumadinho. De acordo com fontes próximas da mineradora, a empresa tem entregue “espontaneamente” às autoridades, incluindo a Polícia Federal e o Ministério Público de Minas Gerais, e-mails, fotos e filmagens sobre a barragem I da mina de Feijão, que rompeu no dia 25. A mineradora também encaminhou aos procuradores do MPMG depoimentos de funcionários.
A avaliação de fontes ligadas à Vale é que o comportamento da mineradora tem sido o inverso do que poderia incitar responsabilidade da empresa ao tentar desviar o foco da investigação ou esconder dados. Segundo elas, é importante para a Vale esclarecer o ocorrido e, se houver algum tipo de responsabilidade, identificá-la. “A postura da Vale tem sido de total colaboração e de ajudar os investigadores”, disse fonte próxima da companhia. No caso da Vale, existe a avaliação que por ser uma empresa de grande porte – são no total 75 mil funcionários -, as áreas técnicas e operacionais trabalham com pessoal qualificado, muitas vezes com mestrado e doutorado, contratado para desempenhar suas funções. “É natural que a diretoria acredite que os funcionários estão fazendo a sua parte, desempenhando as funções com responsabilidade. A troca de e-mails faz parte do exercício dessa responsabilidade, inquirir uns aos outros”, disse fonte.