Em discussão no Congresso Nacional desde 2016, a aguardada regulamentação da securitização de créditos tributários (e não tributários) foi aprovada pelo Senado Federal e sancionada. A Lei Complementar nº 208/24, publicada em 03 de julho de 2024 (“LC 208”), incluiu o art. 39-A na Lei nº 4.320/1964, que autoriza a cessão onerosa, pelos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e/ou Municípios), de direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários – inclusive os inscritos em dívida ativa – a pessoas jurídicas de direito privado ou fundos de investimento regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).
O objetivo da cessão dos direitos creditórios, também chamada securitização de créditos públicos, é permitir aos entes federados a antecipação de receitas, boa parte já inscritas em dívida ativa, evitando o risco de futuras inadimplências. Desta maneira, o risco do não pagamento pelo devedor é transferido ao investidor, que, em contrapartida, poderá adquirir os direitos creditórios com deságio.
A nova regulamentação era há muito esperada, pois uniformiza prática que já vinha sendo adotada por alguns Estados, sem, no entanto, seguir um procedimento padronizado – a exemplo das securitizações realizadas por São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que permanecerão regidas pelas leis respectivas.
Resumimos abaixo os principais aspectos da securitização de créditos públicos previstos na LC 208.
Direitos a serem cedidos | Direitos originados de créditos tributários e não tributários, inclusive aqueles inscritos em dívida ativa.
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Cedentes | União, Estados, Distrito Federal e Municípios
Nota: A cessão poderá ser feita por meio de sociedade de propósito específico (“SPE”) criada para essa finalidade pelo ente federativo, caso em que será dispensada a licitação.
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Cessionários | Pessoas jurídicas de direito privado ou fundos de investimento regulamentados pela CVM.
Nota: Instituições financeiras controladas pelo ente federado cedente não poderão participar de operação de aquisição primária dos direitos creditórios e tampouco adquirir ou negociá-los em mercado secundário ou realizar operação lastreada ou garantida por esses títulos. Referidas instituições, entretanto, poderão participar da estruturação financeira da operação, atuando como prestadores de serviços.
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Natureza jurídica da operação | Venda definitiva de patrimônio público, considerada, para todos os fins, como atividade da administração tributária. Vale notar que a Lei dispõe expressamente que a cessão não se enquadra como operação de crédito (ou equiparáveis) e tampouco concessão de garantia – previstas nos arts. 29, III e IV e 37 da Lei Complementar nº 101/2000 (“LRF”).
Nota: Em regra, a securitização deverá observar os requisitos da Lei nº 14.133/21 (“Lei de Licitações”). Contudo, pelas peculiaridades da operação, é possível que o ente federativo justifique seu enquadramento em uma das hipóteses de dispensa de licitação previstas no art. 76, inciso II, com destaque para aquelas das alíneas “d” ou “e” (que preveem a dispensa nos casos de venda de títulos ou de bens produzidos ou comercializados por entidades da Administração Pública).
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Requisitos
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↘ Preservação da natureza, garantias e privilégios do crédito original.
↘ Manutenção dos valores (principal, juros e multa), dos critérios de atualização/correção, das condições de pagamento, datas de vencimento, prazos e demais termos avençados originalmente;
↘ Manutenção da prerrogativa da Fazenda Pública ou do órgão da administração pública para a cobrança judicial e extrajudicial dos créditos que tenham originado os direitos cedidos;
↘ Isenção ao ente federativo cedente de responsabilidade, compromisso ou dívida perante o cessionário, permanecendo a obrigação de pagamento exclusivamente com o devedor ou contribuinte;
↘ Abrangência apenas ao direito autônomo ao recebimento dos créditos.
↘ Autorização por lei específica do ente federativo cedente, pelo chefe do Poder Executivo ou por autoridade administrativa delegatária da competência.
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Limitações | ↘ Apenas direitos relacionados ao produto de créditos já constituídos e reconhecidos pelo devedor ou contribuinte, inclusive mediante a formalização de parcelamento, podem ser objeto de cessão (ou seja, débitos em litígio ou passíveis de serem contestados não estão abrangidos);
↘ A cessão de direitos creditórios originados de parcelamentos administrativos não inscritos em dívida ativa é limitada ao estoque de créditos existentes até a data de publicação da respectiva lei autorizativa.
↘ A cessão de direitos creditórios não poderá abranger percentuais dos créditos que pertençam a outros entes da Federação, como nos casos que envolvem o ICMS e o IPI.
↘ A cessão dos direitos creditórios não poderá ser realizada nos 90 dias anteriores à data de encerramento do mandato do chefe do Poder Executivo, exceto se o pagamento integral pela cessão dos direitos ocorrer após essa data.
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Destinação da receita | A receita com a venda dos ativos públicos deverá ser destinada, ao menos, 50% a despesas associadas a regime de previdência social e o restante a despesas com investimentos. |