Novidades
3/05/2018

Saneamento pede fim da demagogia

Por Rodrigo Pinho Bertoccelli e Fabricio Soler
Valor Econômico / 03.05.2018

Estão em pauta as mudanças pretendidas pelo governo federal no marco regulatório do saneamento básico, cujo objetivo é aumentar investimentos em busca da universalização dos serviços, promover maior eficiência na sua prestação, assim como reforçar a segurança jurídica e a estabilidade regulatória.

Em síntese, o texto proposto pelo governo prevê a dispensa de licenciamento ambiental para a construção de novas estações de tratamento de água e esgotamento sanitário, um novo papel para a Agência Nacional de Águas (ANA), que passaria a uniformizar a regulação do setor de saneamento básico e o fim da dispensa de licitação para a contratação das companhias estaduais. Tais medidas têm como objetivo aumentar a “financiabilidade” dos projetos, bem como proporcionar igualdade para os setores público e privado competirem pela prestação mais eficiente dos serviços e pela menor tarifa a ser cobrada dos usuários.

Estima-se que o mundo invista cerca de US$ 25 bilhões/ano no saneamento, quando o correto seria investir quatro vezes mais, ou US$ 115 bilhões/ano. No Brasil, o déficit é igualmente gigantesco: dedicamos apenas 0,2% do PIB ao saneamento, quando seria necessário investir 0,45%. De acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), o setor terá que investir uma média anual, a valores presentes, de R$ 15,2 bilhões em abastecimento de água e esgotamento sanitário nos próximos 20 anos.

Não há solução para o saneamento que não envolva a coordenação entre os recursos públicos e privados

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2016, apenas 51,9% do esgoto produzido no Brasil era coletado e 44,9% coletado e tratado. São mais de 100 milhões de pessoas sem acesso à coleta de esgoto. O exemplo mais expressivo é Rondônia onde apenas 4% dos domicílios têm rede de esgoto e 40,7% água tratada. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) o Brasil é a 9ª maior economia do mundo, mas ocupa a 123ª posição no ranking do saneamento.

No campo dos resíduos sólidos e limpeza urbana a realidade não é diferente. A maioria dos municípios presta o serviço diretamente e mais da metade deles não cobra os usuários. Tal aspecto é um obstáculo à sustentabilidade desses serviços, que acaba por depender da limitada disponibilidade orçamentária dos municípios. O resultado da falta de investimentos é visível: enchentes, sujeira e doenças.

Ainda é discutida no Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 847.429 com repercussão geral) a possibilidade de delegação, mediante contrato de concessão, do serviço público de coleta e remoção dos resíduos domiciliares, bem como a natureza jurídica da remuneração de tais serviços, no que diz respeito à essencialidade e à compulsoriedade. É preciso evoluir! Não faz sentido que o pobre da cidade rica continue subsidiando o rico da cidade pobre no setor de resíduos e o setor não ter a sua sustentabilidade financeira definida.

Há muito espaço para o desenvolvimento do mercado de saneamento, seja por meio da atuação pública, seja pela participação mais ativa de grupos privados, levando em conta a precária situação fiscal do setor público. Nesse sentido, o governo federal está sensível aos desafios do setor. Embora mereça ajustes, deve ser elogiado o texto de iniciativa da Casa Civil da Presidência da República com o objetivo de modernizar o marco regulatório, em especial pelo artigo 10-A que poderá ser acrescido à Lei nº 11.445/2007 e trazer isonomia competitiva entre operadores públicos e privados consoante o princípio constitucional da livre concorrência.

No caso do incremento da participação privada, que atualmente é de apenas 6% no setor de água e esgoto, o desafio é justamente pensar em um modelo que confira a necessária segurança jurídica para a realização dos investimentos, a confiança legítima de que as obrigações contratuais serão cumpridas com rigor pelas partes, e ao mesmo tempo proporcione a indispensável transparência nas relações público-privadas.

O saneamento é um serviço público cuja prestação eficaz merece atenção, pois é elementar à subsistência do ser humano. Deve ser considerado patamar mínimo de promoção do direito ao desenvolvimento social, sendo imprescindível para a progressiva e fundamental concretização do valor constitucional da dignidade das pessoas. A sua efetividade deve proporcionar um ambiente de saúde pública aos cidadãos, em franca convergência com a fundamental preservação do meio ambiente.

Transformar essa realidade requer esforço conjunto e coordenado entre atores públicos e privados, com a clareza de que a prestação de um serviço eficiente, adequado e universal deve ocupar o centro dos debates no setor de saneamento básico.

É preciso, portanto, maximizar o investimento e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Não há solução para o saneamento que não envolva a coordenação entre recursos públicos e privados. Não há mais tempo para demagogias e disputas por interesses políticos.

Rodrigo de Pinho Bertoccelli e Fabricio Soler são sócios de Felsberg Advogados, responsáveis, respectivamente, pelos departamentos de Infraestrutura e PPP e Ambiente e Sustentabilidade.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações