A Receita Federal modificou recentemente seu entendimento sobre o tratamento tributário aplicável às remessas ao exterior para pagamento de licenças de uso de software. Apresentando contradições e trazendo mais insegurança jurídica a essas operações, a Solução de Consulta (“SC”) nº 107/23 analisou o pagamento por licenças de uso de software não personalizado (“de prateleira”) da seguinte forma:
↘ IRRF: As remessas devem ser tratadas como royalties referentes à remuneração de direitos autorais, sobre os quais incide IRRF à alíquota de 15% (ou 25%, quando destinadas a paraíso fiscal). Foi afastado o antigo entendimento de que a licença de uso de software de prateleira não se sujeitaria à incidência de IRRF, sob o fundamento de que a operação equivaleria a uma transferência de mercadoria digital.
o Esta interpretação já havia sido adotada na SC nº 75/23, que abordou a incidência do IRRF sobre os valores pagos pelo usuário final para aquisição ou renovação de licenças de uso de software, independentemente de customização ou do meio empregado na entrega (download ou nuvem).
Ainda sobre o IRRF, a SC nº 107/23 afirmou que o imposto incide sobre a atualização de versão do software que não represente novo licenciamento, qualificada como uma prestação de serviço técnico – aplicáveis, nesse caso, as alíquotas de 15% ou 25% (esta, no caso de o beneficiário da remessa ser residente em paraíso fiscal).
↘ CIDE: a Receita Federal reafirmou seu entendimento de que a contribuição não incide na remuneração de licença de uso software, inclusive a “aquisição de versão de atualização do software, através de nova licença”, exceto quando houver transferência da correspondente tecnologia, nos termos do art. 2º, §2º da Lei 10.168/00. No entanto, a atualização de versão do mesmo software, que não origina novo licenciamento, foi qualificada como serviço técnico de manutenção, sujeito à incidência da contribuição (alíquota de 10%).
↘ PIS/COFINS-Importação: foi modificado o entendimento até então existente e, contrariando a qualificação adotada na mesma SC para incidência do IRRF (i.e., royalties), a Receita Federal afirmou que o licenciamento de uso de software configura uma prestação de serviço e, como tal, está sujeito à incidência de PIS/COFINS-Importação (alíquota de 9,25%). A SC nº 107/23 se baseou na posição adotada pelo STF nas ADIs nº 5.659/MG e nº 1.945/MT, que afastou a diferenciação entre software de prateleira e aquele produzido por encomenda e entendeu pela incidência de ISS em ambos os casos.
o Vale comentar que o fisco já havia interpretado anteriormente (SC nº 36/23) que, no regime do Lucro Presumido (IRPJ/CSLL), a receita decorrente do licenciamento de uso de softwares padronizados ou customizados em pequena escala deveria ser classificada como receita derivada da prestação de serviços, aplicando-se o percentual de presunção de lucro de 32%.
A exigência de PIS/COFINS-Importação representa uma impactante mudança na orientação do fisco, já que, até então, era adotado o entendimento de que as remessas relativas à aquisição de licença de uso de software não deveriam ser tributadas pelo PIS/COFINS-Importação, dada sua natureza de royalties.
Inúmeras discussões podem surgir em razão do tratamento híbrido (e contraditório) aplicado pela Receita Federal – i.e., para fins de IRRF, os valores remetidos ao exterior em contraprestação ao licenciamento de software foram considerados como royalties e, para concluir pela incidência de PIS/COFINS-Importação, os mesmos pagamentos foram qualificados como remuneração de serviços.
Como mero exemplo de um dos possíveis desdobramentos, um ponto não abordado na SC e que pode ser relevante em diversos casos refere-se a qual dispositivo dos tratados para evitar a dupla tributação deverá ser considerado no pagamento por licença de uso de software: Royalties? Lucros das empresas? Serviços técnicos?
Segundo informado na própria SC nº 107/23, o novo entendimento deve ser aplicado a partir da sua publicação, pois representa interpretação desfavorável ao contribuinte. Por se tratar de um posicionamento da COSIT (Coordenação-Geral de Tributação), a SC possui efeito vinculante no âmbito da Receita Federal. Assim, até que seja eventualmente reformado, o novo posicionamento deverá ser seguido por todos os auditores fiscais.