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23/03/2020

Quarentena e Coronavírus – Aspectos penais

O Governo do Estado de São Paulo publicou hoje, 23 de março, o Decreto 64.881/2020 que visa a restringir o contato social dos cidadãos, evitando maior propagação do coronavírus (SARS-COV-2).

Referido decreto é baseado na Lei Federal 13.979 de 6 de fevereiro de 2020, regulamentada pelo Decreto 10.282, bem como Portaria nº 356 do Ministério da Saúde, os quais autorizam as Secretarias Estaduais de Saúde a adotar medidas de quarentena.

De acordo com o decreto bandeirante, no período entre 24 de março e 07 de abril, ficam suspensos, no Estado de São Paulo, os atendimentos presenciais ao público em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços. A própria norma traz como exemplos casas noturnas, shopping centers, academias de ginástica etc. Está ainda proibido o consumo local em bares, restaurantes e padarias, autorizando-se apenas os serviços de entrega e drive thru, caso existentes.

A suspensão não se aplica aos serviços tidos como essenciais, tais como hospitais, farmácias, clínicas, postos de combustíveis, armazéns, oficinas de veículos, bancas de jornal, serviços de segurança privada, veículos de comunicação, dentre outros. Ainda, faz-se menção aos serviços essenciais trazidos pelo Decreto Federal 10.282, muito mais abrangente.

Em seu artigo 3º, o Decreto 64.881 aponta que a Secretaria de Segurança Pública se atentará ao disposto nos artigos 268 e 330 do Código Penal, em caso de descumprimento das medidas previstas.

O artigo 268 – infração de medida sanitária preventiva – prevê pena de detenção de um mês a um ano para quem infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Já o artigo 330 – desobediência – prevê pena de detenção de quinze dias a seis meses para quem desobedecer a ordem legal de funcionário público.

Os órgãos competentes para a persecução penal (Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário) possuem independência funcional para a apuração e aplicação de eventuais violações ao decreto, que se dirige aos responsáveis pelos mencionados estabelecimentos.

Por se tratar de determinação específica de desobediência a uma norma do Poder Público, o artigo 268 tem prevalência sobre o artigo 330, de aplicação subsidiária. Não haveria, assim, razão para eventual punição conjunta com o artigo 330, tendo em vista que a legislação brasileira proíbe que uma pessoa seja punida duas vezes pelo mesmo fato.

A despeito do bom senso que a situação requer, não se trata de norma que impede a circulação do cidadão pelas ruas e espaços públicos e privados, direito esse que somente pode ser restringido por meio de declaração dos estados de exceção previstos na Constituição Federal.

Entretanto, importante ressaltar que podem ser penalmente responsabilizados aqueles que forem diagnosticados com a doença e insistirem em manter contato social com demais pessoas, contrariando determinação médica.

Esta conduta poderia, em princípio, ser capitulada como perigo de contágio de moléstia grave, prevista no artigo 131 do Código Penal, o qual prevê pena de reclusão de um a quatro anos àquele que praticar – com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado- ato capaz de produzir o contágio. Caberá ao Poder Público provar que referido paciente agiu com intenção (ou assumiu o risco) de transmitir o vírus. Note-se que o crime estará consumado ainda que nenhuma pessoa seja concretamente contaminada.

Do mesmo modo, a depender da conduta, igualmente poderia ser cabível a aplicação do artigo 132 do Código Penal, com pena de detenção de três meses a um ano,  que prescinde da intenção e criminaliza qualquer ato que, por si só, exponha a vida ou a saúde de outra pessoa a perigo direto e iminente.

Por fim, mas não menos importante, cumpre consignar que profissionais da saúde que deixam de comunicar casos confirmados de corona vírus às autoridades competentes também podem vir a cometer o crime previsto no artigo 269 do Código Penal – omissão de notificação de doenças contagiosas – punido com detenção de 6 meses a 2 anos, além de multa.