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29/12/2020

Publicada a Lei nº 14.112/2020, que reforma a Lei de Falências e Recuperação de Empresas

No último dia 24 de dezembro foi sancionada pelo Presidente da República e publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.112/2020, que institui a tão aguardada reforma da Lei nº 11.101/2005, que trata das falências e procedimentos de recuperação de empresa.

A sanção e publicação da referida lei encerra um longo e intenso ciclo de propostas e debates que se iniciou ainda em 2016, com a constituição, pelo Ministério da Fazenda, de um grupo de trabalho com o objetivo de propor alterações à Lei de Falências. Mais recentemente, diante da influência da pandemia e sob a condução do Deputado Hugo Leal, foram reunidas as diversas propostas e projetos de lei envolvendo a Lei de Falências, resultando, ao final do processo, na edição da Lei nº 14.112/2020.

A Lei nº 14.112/2020, apesar de encampar boa parte dos dispositivos aprovados no âmbito do Congresso Nacional, sofreu veto presidencial em alguns dispositivos bastante importantes. Foram vetadas, por exemplo, a suspensão de ações e execuções trabalhistas também contra coobrigados em caso de recuperação judicial, sob o argumento de contrariedade ao interesse público e à proteção constitucional aos créditos de natureza trabalhista, bem como a possibilidade de recuperação judicial apenas para cooperativas médicas, sob o argumento de instituir tratamento não isonômico em relação às demais modalidades de cooperativas e de ignorância a determinados impactos regulatórios da medida.

Vale ressaltar, em especial, o veto a importantíssimos dispositivos que flexibilizavam restrições da legislação tributária com o objetivo de corrigir distorções históricas das empresas em recuperação judicial, sob o argumento de que importariam em renúncia de receitas sem o correspondente cancelamento de despesas e sem a devida estimativa dos impactos financeiros e orçamentários de tais medidas. Destacam-se, nesse sentido:

  • o veto à previsão de que não se aplicaria o limite legal de 30% na compensação de prejuízos fiscais de períodos anteriores na apuração de IRPJ e CSLL decorrentes do desconto obtido com a renegociação de dívidas ou do ganho de capital na alienação de ativos;
  • o veto à previsão de que o ganho obtido com a renegociação de dívidas na recuperação judicial não comporia a base de cálculo de PIS/COFINS; e
  • o veto à previsão de que as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial seriam dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior.

Infelizmente o veto representa um sensível retrocesso para as empresas em recuperação judicial. Há muito tempo vem-se questionando a pertinência de considerar, para a base de cálculo do IR e da CSLL, eventuais deságios e reperfilamentos de créditos visando a readequação da estrutura de capital das empresas em RJ. Após anos de discussão entre os profissionais que militam na área, chegou-se a um consenso no sentido de que, a permanecer a imposição da tributação, ao menos a trava de 30% para compensação com prejuízos passados não deveria existir – consenso este que restou refletido no Projeto de Lei aprovado no âmbito do Congresso Nacional. Infelizmente o veto presidencial, sem as devidas discussões e aprofundamento, eliminou tal importante aspecto da reforma.

Entendemos que não é razoável admitir que se imponha tributação imediata sobre “ganhos” fictícios (obtidos, por exemplo, com descontos sobre os créditos), que não representam efetivo ingresso de caixa nas empresas em RJ, mas consistem em medidas aprovadas pelos credores com o intuito de permitir a recuperação efetiva de empresas viáveis no mercado. Tampouco é razoável que as empresas dividam com o Fisco o resultado da renúncia dos credores sobre seus créditos – o que significa, na prática, que a renúncia dos credores de parte de seus créditos em prol da manutenção das atividades da empresa devedora não traz o benefício pretendido, na medida em que parte da riqueza gerada pelo sacrifício dos credores acaba sendo consumida pelos tributos incidentes sobre tais operações. Leve-se ainda em conta a evidente distorção consistente na aplicação da trava de 30% para compensação de prejuízos fiscais com o deságio aplicado sobre obrigações constituídas contemporaneamente a esses prejuízos, mas cuja compensação não pode ocorrer integralmente no período em que as obrigações são reduzidas.

Em entrevista coletiva concedida em 28 de dezembro pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues[1], chegou-se a pontuar que, apesar de não haver estimativas sobre os impactos fiscais desses benefícios tributários, o governo chegou a considerar que eventual renúncia de receita, se houver, seria pequena. Ainda que assim não fosse, é fato que tal eventual renúncia seria largamente compensada pelo aumento de arrecadação decorrente do retorno da empresa às atividades, já que empresas insolventes em geral não pagam impostos. Impedir a recuperação da empresa para tentar arrecadar o que não será pago (justamente em razão do quadro de insolvência não superado) é sem dúvida nenhuma prejudicial ao próprio Fisco.

Houve veto também à regra que estabelecia a não sujeição à recuperação judicial de créditos derivados de Cédulas de Produto Rural (CPRs) com liquidação física, em caso de antecipação total ou parcial do preço, ou representativa de operação de troca por insumos (barter), salvo evento de caso fortuito ou força maior (conforme definido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) que impeça total ou parcialmente a entrega do produto.

Apesar de a justificativa do veto residir na divergência quanto à exceção (afirmando que caso fortuito e força maior não deveriam ser razões para sujeitar o crédito à recuperação judicial), o veto integral sobre o dispositivo acabou eliminando a própria regra de não sujeição do crédito da CPR à recuperação judicial.

Por fim, foram vetados também importantes dispositivos que tinham por objetivo eximir dúvidas interpretativas e reforçar a ausência de sucessão obrigacional do adquirente de bens de empresas falidas ou em recuperação judicial. A Lei nº 11.101/2005 já trazia a previsão de ausência de sucessão no caso de aquisição de UPIs, e o projeto aprovado no âmbito no Congresso Nacional ampliava esta proteção para (i) ampliar a blindagem de sucessão também para a aquisição de outros ativos que não se caracterizam como UPIs; e (ii) esclarecer que a blindagem de sucessão atingiria obrigações de qualquer natureza, inclusive ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista.

O veto imposto sobre tais dispositivos teve por justificativa uma suposta inconstitucionalidade quanto às obrigações de natureza ambiental, na medida em que a Constituição Federal, na interpretação presidencial, dispõe que a responsabilização ambiental deve sempre recair sobre o proprietário do bem que sofreu o dano a ser reparado – sendo que a interpretação presidencial não leva em conta a diferença entre multas e indenizações ambientais (que não devem ser transferidas aos adquirentes) e a obrigação de repor o dano ambiental (esta, sim, cabível a qualquer proprietário e que naturalmente se transfere com a aquisição da coisa). Argumentou-se, também, que haveria descumprimento a direitos fundamentais e aos princípios da boa administração pública quando se impede a sucessão de obrigações resultantes de corrupção.

Ocorre que, apesar de ser motivado especificamente pelas obrigações de natureza ambiental e anticorrupção, o veto integral acabou prejudicando também a blindagem de sucessão na aquisição de outros ativos não caracterizados como UPIs, além de trazer dificuldades interpretativas quanto à abrangência desta regra às outras obrigações não mencionadas expressamente pela Lei nº 11.101/2005 em sua redação original (regulatória, administrativa e penal). Infelizmente, o veto indiscriminado a tais dispositivos presta um desserviço aos tão aguardados estímulos aos investimentos na área da insolvência empresarial, que, espera-se devem ser sanados com a rejeição do veto pelo Congresso Nacional.

Importante ressaltar que o Congresso Nacional ainda poderá deliberar pela derrubada dos vetos presidenciais aos dispositivos da Lei nº 14.112/2020. Essa deliberação ocorre via de regra dentro de 30 dias corridos contados da comunicação oficial a respeito dos vetos, podendo ocorrer em prazo maior (com travamento de pauta) caso seja superado este prazo. Para a rejeição do veto é necessária a aprovação por maioria absoluta de Deputados e Senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente. Caso não sejam atingidos esses números, o veto é mantido.

Apesar de tais vetos relevantes, a reforma instituída pela Lei nº 14.112/2020 é bastante ampla e, mesmo mantendo o núcleo em que se baseia a Lei nº 11.101/2005, altera diversos aspectos muito relevantes relativos aos procedimentos de recuperação judicial, extrajudicial e falência. As principais alterações levadas a efeito pela reforma (com exceção dos vetos citados acima), podem ser verificadas no link a seguir: https://www.felsberg.com.br/congresso-nacional-aprova-reforma-da-lei-de-falencias/

Ao contrário do que constava do projeto aprovado no âmbito do Congresso Nacional, a Lei nº 14.112/2020 se sujeita a um prazo de vacância de 30 dias contados de sua publicação em 24 de dezembro, e, como regra, as alterações se aplicam de imediato a todos os processos em curso. Há, no entanto, algumas regras excepcionais que se aplicam apenas a processos que sejam ajuizados após a entrada em vigor da lei, quais sejam: (i) a possibilidade de apresentação de plano por credores; (ii) alterações relativas a sujeição de créditos à recuperação e classificação na falência; (iii) alterações relacionadas à extensão dos efeitos da falência e extinção das obrigações do falido. Fica assegurada também a possibilidade de que empresas com recuperação judicial atualmente em curso ofereçam proposta de transação fiscal à Fazenda Nacional, em até 60 dias após a regulamentação desse procedimento.

[1] Disponível em [https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/dezembro-1/nova-lei-de-falencias-vai-melhorar-os-resultados-de-recuperacoes-judiciais-no-pais]