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23/07/2018

MP do saneamento traz inovações para fomentar investimentos no setor

Por Rodrigo de Pinho Bertoccelli e Fabricio Soler

No dia 9, foi publicada a Medida Provisória 844/2018, que atualiza o marco legal do saneamento básico após mais de 10 anos de vigência da Lei 11.445/07, cujo objetivo é tentar aumentar os investimentos em busca da universalização dos serviços no setor com o maior déficit de atendimento e maiores desafios de expansão, estabilidade regulatória e segurança jurídica no setor de infraestrutura.

Cerca de 83% da população brasileira dispõem de abastecimento de água, 57% têm acesso ao serviço de coleta de esgoto, e apenas 50% do esgoto gerado é tratado (SNIS, 2018), sem mencionar a proliferação de lixões nos grandes centros urbanos, realidade brasileira que afeta tanto a qualidade de vida da população como a proteção ao meio ambiente e a competitividade da indústria nacional, que tem que conviver com a baixa produtividade do trabalhador em razão de doenças e o alto custo com o tratamento de água para uso industrial.

De acordo com a CNI, caso sejam mantidos os níveis recentes de investimento, a universalização dos serviços só seria atingida após 2050, com mais de 20 anos de atraso da meta estabelecida no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Em outras palavras, para alcançar o patamar médio de investimentos necessários para atingir a meta, os investimentos teriam de crescer cerca de 60%.

Nesse contexto, a MP trouxe duas importantes inovações no sentido de fomentar os investimentos no setor. A primeira, ao modificar a Lei 9.984/2000, atribuiu à Agência Nacional de Águas (ANA) a competência para editar normas de referência nacionais para a regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento por seus titulares e suas entidades reguladoras e fiscalizadoras responsáveis. A segunda, ao alterar a Lei 11.445/2007, trouxe a hipótese de chamamento público e estabeleceu o fim da dispensa de licitação para a contratação das companhias estaduais com a finalidade de se buscar igualdade para os setores público e privado competirem pela prestação mais eficiente dos serviços e pela menor tarifa a ser cobrada dos usuários.

Em relação à regulação, a MP determina que caberá à ANA estabelecer os padrões de qualidade e eficiência na prestação dos serviços de saneamento básico, o que inclui a regulação tarifária e a padronização dos instrumentos negociais de prestação dos serviços, os quais deverão contemplar metas de qualidade, eficiência e ampliação da cobertura dos serviços, além de especificar a matriz de riscos e os mecanismos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das atividades. Para garantir a aplicação das normas da ANA (enforcement), o acesso aos recursos públicos federais ou à contratação de financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da administração pública federal, quando destinados aos serviços de saneamento básico, será condicionado ao cumprimento das normas de referência nacionais estabelecidas pela ANA, que passará a ter um maior protagonismo no setor.

A iniciativa do governo federal para fortalecer a ANA pode ser considerada um avanço à medida em que a regulação constitui fator primordial de indução ao investimento, vital para a expansão sustentável dos serviços, num setor no qual a pulverização dos titulares, na figura dos municípios, ensejou uma pulverização de órgãos reguladores destituídos, em sua maioria, de capacitação técnica. Diretrizes regulatórias federais claras e efetivas não rompem o pacto federativo e são fundamentais para aumentar a segurança jurídica no setor e nivelar a qualidade da regulação, que permanecerá com seus titulares. Além disso, é importante que a ANA exerça um papel técnico de coordenação a fim de superar as disputas locais e suas complexidades tarifárias para uma regulação isenta, técnica e distante de influências políticas. A ANA terá um enorme desafio institucional para se estruturar e enfrentar os interesses políticos locais num país com dimensões continentais.

A segunda grande inovação, talvez a mais polêmica, é o artigo que obrigará os municípios a realizarem consulta pública na ocasião da renovação dos contratos com as companhias estaduais de saneamento. A leitura de parte do setor é que a mudança privilegiaria municípios que têm operação superavitária, deixando apenas cidades com operações menos lucrativas nas mãos das companhias estaduais, quebrando a lógica do chamado subsídio cruzado. Por outro lado, o setor privado sustenta que cerca de 72% dos municípios em que há participação privada são compostos de até 50 mil habitantes, os quais praticam tarifas em média 11 centavos acima das tarifas observadas nas companhias estaduais, e o setor privado, ainda com 6% no mercado e atendimento de 9% da população, mas que já responde por 20% dos investimentos realizados em municípios de diferentes tamanhos, poderá contribuir para ampliar os investimentos no setor.

Não obstante o debate que seguramente acompanhará a tramitação da MP no Congresso Nacional, é fato que a lógica econômica utilizada na modelagem do setor, com prestação dos serviços regionais para ganhos de escala e subsídios cruzados (tanto geográficos quanto sociais), deve ser melhor analisado. É preciso que haja o reconhecimento da prestação dos serviços de saneamento básico não somente como um serviço de alto impacto social, mas também como um mercado dentro de uma lógica econômica, que precisa ter a eficiência e a atratividade como premissas relevantes para a prestação de serviços de qualidade. Nesse sentido, a criação de clusters regionais pode ser uma boa alternativa para a sustentabilidade econômica do setor e uma atuação conjunta entre o público e o privado.

Transformar a realidade do saneamento básico requer esforço conjunto e coordenado entre atores públicos e privados, com a clareza de que a prestação de um serviço eficiente, adequado e universal, deve ocupar o centro dos debates no setor de saneamento básico. É preciso, portanto, maximizar o investimento e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Não há solução para o saneamento que não envolva a coordenação entre recursos públicos e privados.

Por fim, vale destacar que a MP produz efeitos imediatos, com exceção à hipótese de chamamento público, cujos efeitos foram expressamente fixados após três anos da data de sua publicação, mas, para conversão em lei, a MP depende de aprovação do Congresso Nacional, o que certamente acompanhará de intensos debates nas próximas semanas.

Fonte: Conjur / 22 de julho de 2018, 6h32