No dia 30 de abril de 2019 o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 881/2019, que institui a chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. A medida, segundo o Poder Executivo, tem por objetivos principais a desburocratização e simplificação de atividades econômicas (principalmente para pequenos empreendedores), reforço da segurança jurídica em transações empresariais, e preservação da liberdade contratual e boa-fé entre as partes contratantes.
Dentre as medidas gerais trazidas pela MP nº 881/2019 encontram-se importantes alterações relacionadas à disciplina de insolvências.
O artigo 9º da MP acrescenta o artigo 82-A à Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005), estabelecendo que os efeitos da falência apenas poderão ser estendidos aos sócios da empresa falida se houver, no caso concreto, requisitos suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica, elencados no artigo 50 do Código Civil.
Além disso, o artigo 7º da MP altera a redação do próprio artigo 50 do Código Civil, justamente para especificar as situações em que pode haver desconsideração de personalidade jurídica. Em resumo, pela nova sistemática trazida pela MP, pode haver desconsideração de personalidade jurídica (e, caso haja falência, extensão de seus efeitos aos sócios) sempre que o juiz entender que:
(i) A empresa foi utilizada com o propósito de lesar credores ou de praticar atos ilícitos;
(ii) A sociedade frequentemente cumpre obrigações de seus sócios ou administradores, ou vice-versa;
(iii) A sociedade transferiu ou recebeu ativos ou passivos sem que houvesse contraprestações equivalentes (ressalvadas transações de valores insignificantes); ou
(iv) Foram praticados outros atos que desrespeitem a autonomia patrimonial da empresa.
Por outro lado, a MP estabelece que não poderá ser decretada a desconsideração da personalidade jurídica (ou a extensão dos efeitos da falência) com fundamento na mera existência de grupo econômico, ou na simples ampliação ou alteração da finalidade original da atividade exercida pela empresa.
A aplicação das regras de desconsideração da personalidade jurídica e, principalmente, de extensão dos efeitos da falência, sempre foi marcada por muitas incertezas. A legislação não continha regras claras sobre esses institutos, razão pela qual coube à jurisprudência estabelecer critérios para sua aplicação – ainda que de forma esparsa e sem uniformidade entre os tribunais. A proposta da MP nº 881/2019 é justamente reduzir essas incertezas por meio do estabelecimento de regras mais claras.
No entanto, se por um lado as novas regras estabelecidas pela MP nº 881/2019 trazem um desejável norte para a aplicação desses institutos jurídicos, por outro lado ainda restam incertezas, principalmente aquelas relacionadas à utilização de regras de um instituto de caráter particular (desconsideração de personalidade jurídica) para justificar a aplicação de um instituto de caráter geral (extensão dos efeitos da falência). A jurisprudência ainda precisará modular a forma de aplicação de cada um dos critérios trazidos pela MP, principalmente no que diz respeito à extensão dos efeitos da falência.
Recomenda-se, portanto, cautela aos credores e às empresas insolventes nessa fase inicial de vigência da MP nº 881/2019. Vale ressaltar que a MP deve ser apreciada pelo Congresso Nacional a fim de que seja convertida em lei dentro de 120 dias, ocasião em que poderá sofrer novas modificações.