Em 31.10.2023 entrou em vigor a Lei nº 14.711/2023, resultante da sanção parcial do Projeto de Lei nº 4.188/21, que ficou conhecido como “Marco Legal das Garantias” (disponível clicando aqui). A Lei, dentre outros assuntos, traz alterações importantes nas regras aplicáveis à alienação fiduciária e à hipoteca. O objetivo, segundo o Governo e o Congresso, é conferir maior segurança jurídica aos instrumentos de garantia e, com isso, reduzir os juros praticados em operações de crédito.
O Marco Legal passa a autorizar expressamente que um mesmo imóvel já alienado fiduciariamente possa ser objeto de nova alienação fiduciária mediante registro imobiliário, dando-se preferências às alienações anteriores sobre as posteriores (alienação fiduciária superveniente). O registro deve ocorrer desde a data da celebração do instrumento de alienação fiduciária, tornando-se eficaz a partir do cancelamento da propriedade fiduciária anterior. Alguns cartórios já aceitavam um tipo de garantia similar por meio do registro de instrumentos com condição suspensiva (extinção da alienação fiduciária anterior), mas a admissão expressa da alienação fiduciária superveniente pela lei certamente traz mais segurança aos credores e ao mercado como um todo.
Ainda em relação à alienação fiduciária, o Marco Legal passa a exigir um maior detalhamento nos instrumentos de garantia, que devem conter as previsões de valor máximo ou estimado da dívida, permissão de uso do imóvel pelo devedor fiduciante, e detalhes dos procedimentos de excussão (inclusive extrajudicial) da própria garantia. Há, ainda, a possibilidade de o credor vencer antecipadamente todas as obrigações garantidas pelo mesmo imóvel que garante a obrigação inadimplida, contanto que isso esteja previsto nos respectivos instrumentos de alienação fiduciária.
Com a alteração legislativa trazida pela inclusão do art. 27-A à Lei 9.514/97, nas operações de crédito garantidas por alienação fiduciária de dois ou mais imóveis, na hipótese de não ser convencionada a vinculação de cada imóvel a uma parcela específica da dívida, o credor poderá promover a excussão em ato simultâneo por meio da consolidação de propriedade e leilão de todos os imóveis em conjunto, ou em atos sucessivos , por meio de consolidação e leilão de cada imóvel em sequência.
Outra alteração importante trazida pelo Marco Legal diz respeito à previsão de um procedimento de excussão extrajudicial da hipoteca, similar ao já aplicável à alienação fiduciária de bens imóveis. No entanto, também se exige, inclusive como requisito de validade, a previsão expressa desse procedimento no instrumento de garantia – o que reforça a necessidade de que esses instrumentos sejam redigidos com maior atenção e detalhamento. Assim como ocorre na alienação fiduciária, também foi prevista a possibilidade de o credor hipotecário vencer antecipadamente todas as obrigações garantidas pelo mesmo imóvel que garante a obrigação inadimplida.
O Marco Legal também estabelece que qualquer garantia possa ser constituída, levada a registro, gerida e excutida/executada (inclusive por via extrajudicial, quando possível) por um agente de garantia a ser designado pelos credores. O agente atuará em nome próprio e em benefício dos credores (dever fiduciário), inclusive em ações judiciais que envolvam discussões sobre existência, validade ou eficácia da garantia. Em caso de execução da garantia pelo agente, o produto da excussão constituirá patrimônio separado do agente pelo período de até 180 dias, e deverá ser distribuído aos credores num prazo de até 10 dias úteis após o recebimento pelo agente.
É fato que, dada a natureza das funções exercidas pelo agente de garantia, caberá aos credores um monitoramento rigoroso dos procedimentos adotados para excussão das garantias, recebimento e, principalmente, distribuição dos valores obtidos. Também deve ser devidamente prevista e acompanhada a atuação do agente de garantia em procedimentos de insolvência, já que, agindo em nome próprio, ele passará a ter legitimidade processual para atuar nesse tipo de procedimento – o que poderá conflitar com os interesses individuais dos próprios credores, que podem ser divergentes entre si.
Em relação aos títulos registrados com cláusulas resolutivas, o Marco Legal trouxe para os Tabelionatos de Notas a competência de certificar o implemento ou a frustração de tais condições por meio da ata notarial, já utilizada para outros fins na dinâmica dos negócios imobiliários (Art. 7-A, adicionado à Lei 8.935/94).
Por fim, o Marco Legal das Garantias foi objeto de vetos parciais pelo Presidente da República, relacionados, em linhas gerais, à previsão de autorização de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis dados em alienação fiduciária. Os vetos seguirão para análise do Congresso Nacional, que poderá derrubá-los.