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17/01/2019

Justiça derruba acordo anterior à reforma que proibia terceirização em usinas de cana de SP

Acerto foi feito com o Ministério Público do Trabalho antes das mudanças na legislação trabalhista

Anaïs Fernandes

São Paulo

Empresas da indústria de cana-de-açúcar do interior de São Paulo conseguiram na segunda instância da Justiça uma decisão liminar (provisória) para suspender acordo firmado com o Ministério Público do Trabalho anterior à nova lei trabalhista e que proibia a terceirização da mão de obra na colheita.

O acordo foi feito no início de 2017 pela usina Santa Isabel e pela fornecedora de cana Santa Luíza Agro Pecuária, ambas de Novo Horizonte, a partir de uma ACP (Ação Civil Pública) em que as companhias eram acusadas, entre outras coisas, de terceirização ilícita.

À época, a prestação de serviços de terceiros era regulada pela jurisprudência do TST (Tribunal Superior do Trabalho), que, através da súmula 331, indicava a vedação à terceirização da chamada atividade-fim (a principal de um negócio).

Na Justiça, as usinas de Novo Horizonte saíram derrotadas na primeira e na segunda instância e decidiram fechar um acordo com o MPT segundo o qual teriam dois anos para zerar os postos terceirizados considerados irregulares.

De lá para cá, no entanto, a legislação trabalhista mudou. Em março de 2017, a chamada lei da terceirização abriu a possibilidade para a contratação dos serviços também na atividade-fim das empresas. Em novembro daquele ano, entrou em vigor o novo texto da CTL (Consolidação das Leis do Trabalho), que passou a considerar como prestação de serviços também a execução da atividade principal da empresa.

“Tínhamos um acordo celebrado num processo porque o entendimento era de que aquela terceirização era proibida. Agora, a lei disse que pode. As usinas ficaram em uma situação desvantajosa em relação aos concorrentes”, diz o advogado Ilario Serafim, que representa as duas empresas.

O argumento foi aceito pela desembargadora Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que engloba o interior de São Paulo.

“Essas alterações legislativas acarretam modificação da forma de atuação das empresas e, em consequência, as requerentes não podem ser impedidas de se adaptar à nova legislação, sob pena de estarem alijadas do mercado e terem diferentes custos de produção daqueles impostos às suas concorrentes”, escreveu Targa em decisão proferida na quinta-feira (10).

Serafim diz que o grupo tentou negociar com o MPT uma alteração no acordo, mas o procurador responsável pelo caso não aceitou. Questionado, o Ministério Público do Trabalho disse que ainda não foi intimado e que, por isso, não se manifestaria.

“A tendência é que compromissos trabalhistas assumidos com o MPT anteriormente à reforma e que se tornaram demasiadamente limitadores e onerosos para a atividade das empresas poderão e devem ser revistos”, diz Jorge Gonzaga Matsumoto, sócio do Bichara Advogados.

Na decisão, a desembargadora afirmou que o acordo deve ser analisado novamente pelas partes, mas disse que concederia parcialmente a liminar, até nova análise da questão, para que não fosse inviabilizada a colheita da cana-de-açúcar e o início da safra, previsto para março, e para que as atividades das empresas pudessem ser mantidas nas mesmas condições de suas concorrentes.

Chamou a atenção de advogados ouvidos pela Folha, no entanto, os termos impostos para a concessão da liminar.

Segundo Targa, as empresas poderão terceirizar parcialmente a colheita mecanizada da cana-de-açúcar neste ano “nos mesmos patamares negociados com o Ministério Público do Trabalho para o ano de 2017, ou seja, com possibilidade de contratação de até 183 trabalhadores terceirizados, desde que mantidos o mesmo número de empregados diretos contratados no ano de 2018 e sem que haja substituição, portanto, de mão de obra direta por terceirizada.”

Ou seja, a desembargadora permitiu somente o incremento da contratação de trabalhadores por meio da terceirização, mas não a redução da força de trabalho.

Advogados questionam a imposição de uma restrição mais dura do que a prevista na lei —uma carência de 18 meses caso a empresa queira realocar ex-funcionários na prestadora de serviços—, o que extrapolaria a função do Judiciário.

Procurado, o TRT 15 explicou que Maria Inês Targa não pode se manifestar porque o processo ainda está pendente de julgamento.

Mauricio Pepe De Lion, do Felsberg Advogados, diz que a decisão pode ser uma forma de assegurar a operação competitiva das empresas, mas garantir ao mesmo tempo que o assunto seja abordado com mais profundidade quando for discutido seu mérito.

“Se o MPT apresentar recurso de agravo regimental, a decisão provisória proferida de forma monocrática tem que passar pelo crivo de um órgão colegiado. Acredito que por isso houve agora uma decisão no meio do caminho”, afirma. “De qualquer forma, é um bom precedente, porque demonstra um posicionamento de bom senso do tribunal ao compreender que as relações de trabalho mudaram”, completa.