O Ministério da Saúde elaborou o Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19, estabelecendo uma ordem de vacinação para os grupos prioritários, tendo sido publicada a Lei Federal n.º 14.125/21, que dispõe sobre a aquisição e distribuição de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado, desde que sejam integralmente doadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de serem utilizadas no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Após o término da imunização dos grupos prioritários previsto pelo PNI, as pessoas jurídicas de direito privado poderão adquirir, distribuir e administrar vacinas, desde que pelo menos 50% das doses sejam doadas ao SUS e as demais utilizadas de forma gratuita, devendo todos esses dados ser reportados ao Ministério da Saúde.
Após algumas situações em que políticos e empresários de Minas Gerais teriam violado a ordem de prioridade disposta na legislação vigente, adquirindo e aplicando o imunizante da Pfizer contra a Covid-19, em benefício próprio e de seus familiares, a Polícia Federal deflagrou a “Operação Camarote”, que investiga em que circunstâncias essas situações realmente ocorreram. A aplicação de vacinas de forma ilegal foi revelada pela revista Piauí e uma das linhas de investigação sugere que a falsa enfermeira teria enganado os empresários e aplicado, na verdade, soro fisiológico.
Quem de qualquer modo participou na organização ou aplicação da vacinação poderia responder pelo crime de falsificação de medicamentos, tipificado pelo artigo 273 do Código Penal, desde que comprovado soubesse que a vacina era falsa.
Entretanto, caso a enfermeira não soubesse que estava aplicando soro, não teria cometido nenhum fato típico, posto que a falsificação de medicamentos é um crime doloso, sendo necessário o conhecimento da adulteração para configurar o crime.
O contrário aconteceria com quem vendeu as doses como vacina sabendo que se tratava de soro ou outro produto, respondendo pelo crime de falsificação de medicamentos, por criar um perigo à saúde de quem acreditou que estava imune ao vírus.
Ainda, caso a investigação supracitada revele que as vacinas aplicadas eram, na realidade, soro fisiológico, os empresários não responderiam por crime algum, nem contra a saúde pública, nem por falsificação, e embora tivessem a intenção de furar a fila da vacina, seriam tão somente considerados vítimas do crime de estelionato, cometido pela enfermeira.
Não há uma opinião uniforme sobre a conduta dos empresários em “furar a fila” da vacinação, diante da estrutura jurídica relacionada à questão sanitária. Seria apenas uma questão reprovável, que viola a moral e solidariedade que se espera de todos os cidadãos, ou haveria, de fato, uma tipificação específica para a conduta?
A notícia de crime apresentada pelos Deputados Federais do Partido Socialista Brasileiro (PSB) ao Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais imputa o crime previsto no artigo 268 do Código Penal, qual seja, violação de medida sanitária preventiva.
Existem, contudo, 17 projetos de lei para criminalização específica do ato de furar a fila da vacinação, visto que até os próprios legisladores possuem dúvidas sobre a aplicabilidade do dispositivo genérico acima mencionado, uma vez que a situação que estamos vivendo mundialmente é nova e não haveria uma tipificação específica para o ato. O bem jurídico tutelado pelo artigo 268 é a incolumidade pública, particularmente em relação à saúde pública, estando vinculada ao dever do Estado de reduzir o risco de doenças, previsto pelo artigo 196 da Constituição Federal.
O Projeto de Lei n.º 25/2021 merece atenção especial por unir todos os outros projetos de Lei sobre a matéria; tendo sido aprovado pela Câmara dos Deputados, atualmente, aguarda apreciação do Senado Federal. Seriam acrescidos os artigos 268-A, 312-A e 317-A no Código Penal, para tipificar as condutas de infração de medida de imunização, de peculato de vacinas, bens medicinais ou terapêuticos, bem como de corrupção em planos de imunização. Mesmo que aprovado, para não violar o princípio da anterioridade da lei penal, não seria aplicado às condutas passadas.