Nesta terça-feira, foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória n.º 1227/2024 (“MP 1227“), que estabelece medidas compensatórias em razão da manutenção da desoneração da folha de pagamento até 2027 (Lei n.º 14.784/2023). O governo declarou que a medida seria necessária para combater a desarmonia nas contas públicas e promover justiça tributária.
No contexto deste ajuste fiscal e da reorganização das finanças públicas federais, a MP 1227 aborda os seguintes temas: (i) novas condições para a fruição de benefícios fiscais; (ii) delegação de competência para fiscalização e julgamento do processo administrativo fiscal relativo ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (“ITR”); (iii) limitação à compensação de créditos da Contribuição ao PIS e da COFINS com débitos dos demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (“RFB”); e (iv) revogação das hipóteses de ressarcimento e compensação de créditos presumidos dessas Contribuições.
Fruição de Benefícios Fiscais: novas regras
A MP 1227 tornou obrigatório que as pessoas jurídicas que usufruem de benefícios fiscais informem à RFB, por meio de declaração em formato simplificado, (i) os incentivos, renúncias, benefícios ou imunidades tributárias que utilizarem; e (ii) o valor do crédito tributário correspondente.
Não foi esclarecido quais benefícios estariam abrangidos pela nova regra, nem os prazos, termos e condições para prestação dessas informações, matéria a ser disciplinada pela RFB. Além disso, sem prejuízo de outras disposições da regulamentação a ser publicada, a MP 1227 condiciona a concessão, reconhecimento, habilitação, coabilitação, fruição, renúncia ou benefício de natureza tributária ao atendimento dos seguintes requisitos:
Importante destacar que a ausência de entrega ou entrega em atraso desta declaração sujeitará os contribuintes a multa de 0,5% a 1,5% da receita bruta, limitada a 30% do valor dos benefícios fiscais, assim como a aplicação de multa de 3% em relação aos valores omitidos, inexatos ou incorretos.
Delegação de Competências e Contencioso Administrativo do ITR
Outra novidade trazida pela MP 1227 refere-se à possibilidade de a RFB celebrar convênios com o Distrito Federal e Municípios, delegando-lhes competência para fiscalização, cobrança, instrução e julgamento de processos administrativos relacionados ao ITR.
Vedação à compensação cruzada de créditos de PIS/COFINS
A MP 1227 alterou a redação do artigo 74 da Lei n.º 9.430/1996 e limitou, a partir da data de sua publicação (04.06.2024), a compensação de créditos apropriados no regime não cumulativo da Contribuição ao PIS e da COFINS aos débitos das próprias Contribuições. Assim, restou extinto o regime até então existente, que permitia que contribuintes compensassem os referidos créditos de PIS/COFINS com débitos de outros tributos federais, observadas determinadas condições.
A nova regra, de aplicação imediata, impactará sensivelmente o fluxo de caixa dos contribuintes, sobretudo os exportadores, que estruturaram seus negócios considerando a possibilidade de serem aproveitados os saldos credores de PIS/COFINS para quitação de débitos de outros tributos federais, sistemática vigente há quase 20 anos e fruto de intenso debate no Congresso Nacional. A possibilidade de ser solicitado ressarcimento dos créditos não foi alterada.
Vedações à utilização de créditos presumidos de PIS/COFINS
A MP 1227 revogou uma série de dispositivos relacionados ao aproveitamento de créditos presumidos da Contribuição ao PIS e da COFINS, que possibilitavam a compensação de eventual saldo credor com débitos de outros tributos administrados pela RFB ou seu ressarcimento em espécie.
Com as revogações, diversos setores são impactados negativamente, a exemplo do alimentício, farmacêutico, petroquímico, exportadores (produtores de café não torrado para exportação e produtores de gado para exportação) e agropecuário.
Possíveis Críticas à MP
A MP 1227 foi apresentada como uma medida para não aumentar tributos e compensar o impacto da manutenção da desoneração da folha de pagamento para empresas e municípios, além de resolver “distorções do sistema tributário” relacionadas ao acúmulo de créditos de PIS/COFINS.
Trata-se de uma ação açodada do Governo Federal, sem a devida reflexão sobre seu impacto imediato em vários setores econômicos, que impede contribuintes de aproveitarem créditos de PIS/COFINS sob um regime que, teoricamente, deveria ser não cumulativo. Além da insegurança jurídica gerada, abre-se oportunidade para novos litígios e a necessidade de os contribuintes revisarem seus planejamentos tributários.
A MP 1227 impacta o fluxo de caixa de várias empresas que não poderão realizar a compensação cruzada e só terão a opção de pleitear a restituição dos saldos credores dessas Contribuições, o que gera uma clara ineficiência na gestão de caixa (dos entes privados).
Tudo isso ocorre no contexto das discussões dos Projetos de Lei que regularão os novos tributos instituídos pela Reforma Tributária, destacando-se a CBS (“Contribuição sobre Bens e Serviços”), que substituirá a Contribuição ao PIS e a COFINS e, também teoricamente, será plenamente não cumulativa. A ver.
Por fim, notamos que a MP 1227 produz efeitos desde sua publicação (04.06.2024) e tem um prazo de vigência de até 120 dias, enquanto tramita no Congresso Nacional para, eventualmente, ser rejeitada ou convertida em Lei.