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19/01/2018

CVM autoriza uso de contratos de crédito com garantia em imóvel, o “home equity”, em CRI

Por Angelo Pavini

O Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) autorizou na terça-feira o uso de contratos de financiamento com garantia em imóvel, o refinanciamento imobiliário, ou “home equity”, como garantia para Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). A decisão foi dada em um recurso movido por uma securitizadora de imóveis, e vai permitir que esses empréstimos sejam “empacotados” e depois revendidos ao mercado na forma de CRI, possibilitando às securitizadoras e bancos levantarem mais recursos para emprestar e ampliando a oferta de crédito, afirma Fernanda Amaral, sócia da área Imobiliária e Financeira do escritório Felsberg Advogados. “É uma decisão bem importante para o mercado imobiliário e para o setor de securitização e financiamento”, afirma. Segundo ela, em pareceres anteriores, a CVM não permitia o uso desses empréstimos como garantia, diferentemente do Banco Central (BC), que já autorizava seu uso para lastro das Letras de Crédito Imobiliário (LCI).

 

Fernanda fez uma nota técnica para a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), que também participou da discussão que antecedeu o julgamento do recurso na CVM. A advogada acompanha a questão desde 2006, quando o Banco Central (BC) permitiu que as companhia securitizadoras pudessem fazer empréstimos com garantia em imóveis. Na época, ela era diretora jurídica da Brazilian Mortgages, pioneira do home equity no Brasil.

Ela explica o grande avanço foi o BC reconhecer que o financiamento com garantia em imóvel não precisava ser usado somente para compra do bem ou sua reforma, mas para outros fins, como ocorre em outros países, como os Estados Unidos, em que é possível usar livremente o dinheiro obtido nos empréstimos e o home equity é uma das principais formas de crédito para pessoas físicas. “Nosso pleito sempre foi que o crédito com garantia em imóvel não tivesse destinação específica, ele é um crédito imobiliário por ser ligado a um imóvel, mas seu uso pode ser para outros fins, como pagar uma dívida mais cara, financiar um projeto, estudos,  com taxas mais baixas, por ter garantia real”, diz. Essa visão foi reforçada em 2012, quando o BC permitiu que os refinanciamentos pudessem ser usados como garantias de Letras de Crédito Imobiliário (LCI) pelos bancos. Mas a área técnica da CVM tinha uma visão diferente, de que o credito imobiliário só poderia ter como destinação compra ou reforma.

Recurso em ação da Barigui

A decisão do Colegiado veio em um recurso movido pela Barigui Securitizadora e pela CM Capital Markets Distribuidora, no processo SEI 19957.008927?2017-73. Nela, a CVM admitiu “Instrumentos Particulares de Empréstimo com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária de Imóvel em garantia” como lastro de Certificados de Recebíveis Imobiliários. “Foi um marco para o mercado de capitais brasileiro”, afirma Guilherme Antunes, da RBR Asset, gestora especializada em fundos imobiliários.

Crédito com juros mais baixos

Também conhecido como empréstimo com imóvel em garantia, home equity ou crédito imobiliário, é um modelo de operação na qual uma pessoa física obtém crédito alienando o seu imóvel (moradia) quitado como garantia da operação. As principais vantagem deste modelo de financiamento para o tomador são obter um recurso de longo prazo e com taxas muito melhores do que crédito padrão para pessoa física. “Estamos falando de taxas médias abaixo de 20% ao ano com um prazo de até 15 anos, condições inviáveis de serem obtidas em crédito pessoais padrões”, afirma Antunes.

Segurança do crédito

Para as instituições financeiras que são as cedentes deste modelo de crédito, a principal vantagem é ter a segurança de uma garantia imobiliária atrelada a operação. Normalmente, as cedentes só emprestam no máximo 60% do valor do imóvel. Ou seja, em eventual inadimplência, o credor retoma o imóvel do devedor e o leiloa com uma boa margem para  recuperar o saldo da operação.

“Uma característica marcante neste modelo é que os devedores possuem um incentivo claro de ficarem em dia com a dívida, dado que não querem perder a moradia de suas famílias”, afirma Antunes. Dessa forma, é possível observar uma inadimplência histórica compatível com os demais modelos de financiamento no setor imobiliário, algo como 3 a 4% ao ano.

Falta de recursos para financiar

O problema para os financiadores neste modelo de operação é o funding, ou seja, a captação de recursos no mercado para concederem os empréstimos. Usualmente, as instituições financeiras captam recursos no mercado com prazo médio de 3 anos, ou seja, totalmente descasadas com o longo prazo dos empréstimos concedidos, destaca Antunes. O Banco Central já tinha permitido a partir de 2012 o uso deste tipo de contrato para o lastro de emissão de LCIs. No entanto, o instrumento LCI, apesar da garantia do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para pessoas físicas, não vincula, necessariamente, a garantia imobiliária dos contratos ao lastro nas LCIs emitidas.

Já os CRIs, explica o gestor, são comumente utilizados pelas instituições financeiras para reduzir os volumes de empréstimos em seus balanços e, assim, liberar recursos para novas cessões de crédito. Eles utilizam uma carteira de contratos de crédito imobiliário e a cedem para securitizadoras de crédito utilizarem como lastro para a emissão dos CRIs. “No entanto, após algumas negativas da CVM para a emissão de operações que utilizam como lastro os contratos de Home Equity, as instituição financeiras ficaram bastante receosas em utilizar esse instrumento para a captação de recursos adicionais”, explica Antunes.

Visão antiquada

A CVM, porém, não enxergava o contrato de home equity como lastro para a operação de CRIs por acreditar que a destinação do recurso obtido pelo devedor nesse tipo de empréstimo não era necessariamente para o mercado imobiliário uma vez que esses tomadores podem utilizar o recurso como bem entenderem. “Era uma interpretação antiquada muito enraizada no conceito original de crédito imobiliário para o desenvolvimento e alavancagem do setor imobiliário via a construção de novas unidades”, afirma Antunes. “No nosso entendimento, uma visão frágil uma vez que o Home Equity também fomenta o setor imobiliário ao aumentar a liquidez no segmento como um todo”, acrescenta.

Incerteza “travou” emissões de CRI

Por conta dessa incerteza, muitas securitizadoras evitavam fazer CRI usando o home equity como lastro, lembra Fernanda Amaral. “Havia o receio de que, se a CVM não aceitava o contrato como lastro, a Receita Federal poderia glosar (invalidar) a isenção do CRI para pessoa física, o que reduziria muito o atrativo da operação”, diz. O assunto ficou em banho-maria por alguns anos, até porque o mercado se desaqueceu. “E nunca houve uma posição do Colegiado da CVM, só da área técnica, que se baseava em pareceres antigos”, lembra.  Agora, o mercado de crédito com garantia em imóvel voltou a se aquecer e o assunto pôde ser discutido de novo. “E, mesmo agora, o parecer da área técnica foi contra o uso do home equity, mas o Colegiado entendeu os novos argumentos, que ele poderia ser aceito”, explica.

Agora, a decisão do Colegiado dará mais segurança para as emissões de CRI usando home equity, afirma Fernanda. E não só de CRIs, como também de fundos imobiliários que investem nesses papéis. “Isso vai fomentar todo o mercado de capitais ligado ao setor imobiliário”, diz.

A partir desta semana, o  cenário ficou mais claro para todos os participantes do setor, destaca Antunes, da RBR. “As instituições financeiras ficarão 100% confiantes a utilizarem as emissões de CRIs para a captação de recursos e os investidores terão a segurança que os CRIs emitidos são boas alternativas de investimento”, afirma. “No nosso ponto de vista, a decisão da CVM é um marco para o mercado e provavelmente aumentará a disponibilidade de crédito para pessoas físicas.”

Avanço para o crédito com garantia em imóvel

Já Fernanda acredita que a medida é um grande avanço no próprio home equity, pois reforma a visão de que o crédito com garantia em imóvel não tem destinação específica. “Lembro que havia um grande receio do Banco Central de, ao liberar o refinanciamento imobiliário, incentivar uma onda de endividamento, com as pessoas hipotecando suas casas para ir para a Disney”, diz. “O tempo mostrou que o uso foi bem apropriado, para pagar dívidas mais caras ou coisas realmente relevantes”, acrescenta. Além disso, o fato de o crédito estar limitado a 60% do valor do imóvel no refinanciamento diminuiu os riscos de problemas no sistema financeiro pois a garantia supera em 40% o valor financiado. “As taxas de inadimplência estão também muito próximas do financiamento para compra do imóvel, o que mostra que o crédito está sendo bem concedido também”, destaca.

Segundo Fernanda, com a securitização via CRI liberada, o financiador terá como sair do empréstimo, que tem prazo bastante longo, e fazer novos financiamentos, aumentando a oferta de recursos. Isso deverá fomentar o setor imobiliário, pois a pessoa saberá que, se precisar, pode usar o imóvel que comprou para obter um empréstimo mais barato de longo prazo. E todo o mercado de capitais, que terá novas opções de investimento em renda fixa garantida em imóveis, uma das preferências do brasileiro.