A utilização de certificados digitais para a assinatura de documentos públicos e particulares adquiriu especial relevância nos últimos anos, em razão do isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19. E, mesmo com a superação do isolamento social, tudo indica que a assinatura eletrônica de documentos, agora já integrada na cultura mercantil, continuará a ocorrer com frequência.
É certo, no entanto, que o tema tem sido objeto de controvérsias.
A assinatura via certificado digital encontra respaldo na Medida Provisória n.º 2.200 de agosto de 2001, editada antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 32 e, portanto, em vigência até a presente data, vez que não sujeita às regras de eficácia constantes do artigo 62 da Constituição Federal.
Nesse contexto, merece destaque o disposto no artigo 10, § 1º, da Medida Provisória n.º 2.200-2, que estabelece que os documentos produzidos de acordo com o “processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários”. Ocorre que nem todas as entidades que hoje oferecem soluções para a assinatura digital de documentos estão credenciadas como Autoridades Certificadoras junto ao ICP-Brasil (https://www.gov.br/iti/pt-br/assuntos/icp-brasil).
Isso não significa, entretanto, que a assinatura eletrônica realizada por meio de um certificado não emitido pelo ICP-Brasil seja, automática ou necessariamente, ineficaz ou inválida. Isso porque a Medida Provisória n.º 2.200-2 estabelece, no §2º de seu artigo 10, que não é obstado o uso de outros meios de comprovação da autoria e integridade dos documentos eletrônicos, incluindo-se o emprego de certificado não emitido pelo ICP-Brasil, desde que “admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.
Tratamento semelhante foi conferido pela Lei n.º 14.063/2020. Em seu artigo 4ª, referida norma classificou as assinaturas eletrônicas da seguinte forma:
(i) Assinatura eletrônica simples: aquela que permite identificar o seu signatário, ou que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;
(ii) Assinatura eletrônica avançada: aquela que utiliza certificado não emitido pelo ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria ou da integridade do documento de forma eletrônica, “desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”, repetindo assim, nesse aspecto, o texto do artigo 10, §2º, da Medida Provisória n.º 2.200-2.
(iii) Assinatura eletrônica qualificada: aquela realizada com base em certificado emitido pelo ICP-Brasil.
Por fim, o §1º do artigo 4º da Lei n.º 14.063/2020 preconiza: “Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos”.
É justamente a ressalva contida na Medida Provisória n.º 2.200-2 e reproduzida pela Lei n.º 14.063/2020 quanto à admissão de meios certificação digital não disponibilizados pelo ICP-Brasil – “desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento” – que tem, recentemente, dado margem a discussões.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, já decidiu pela extinção de ação de execução em razão do título executivo não ter sido digitalmente assinado com certificado emitido pelo ICP-Brasil[1]. Sem prejuízo, há também precedentes reconhecendo que a assinatura digital realizada por meio de certificado não emitido pelo ICP-Brasil deve ser reputada válida quando presentes as condições específicas previstas pelo artigo 10, § 2ª, da Medida Provisória n.º 2.200 e pelo artigo 4º, inciso II, da Lei n.º 14.063/2020[2].
Dentre os precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, destacamos o recurso de apelação n.º 1105377-07.2018.8.26.0100, julgado em outubro de 2021[3]. Trata-se de Ação Declaratória de Indébito, na qual se pretendia o reconhecimento da invalidade de instrumento contratual em razão das assinaturas virtuais terem sido feitas por meio de certificação não emitido pelo ICP-Brasil. Mesmo após a realização de prova pericial que atestou a regularidade das aludidas assinaturas eletrônicas, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo houve por bem não as admitir como vinculantes, pois, à vista da previsão contida no artigo 10, §2º, da Medida Provisória nº 2.200-2, haveria “falta de aceite da pessoa solicitada a confirmar a assinatura”.[4]
Em outra demanda, no entanto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar Agravo de Instrumento[5] interposto contra decisão que indeferiu a homologação de acordo assinado via DocuSign, considerou a existência de cláusula contratual específica prevendo o aceite das partes quanto à assinatura do instrumento pelo mencionado meio como elemento bastante para atestar a inequívoca admissão das partes, e, assim, reformou a decisão de primeiro grau que reputava necessária a assinatura de próprio punho para a validade e eficácia do documento em debate.[6]
Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já admitiu a utilização de certificado não emitido pelo ICP-Brasil sob o fundamento de que teria sido possível atestar a concordância das partes com o meio eleito para assinatura do documento, singelamente porque constava do arquivo “nome dos signatários, seus endereços de e-mail e IP, cadeia de custódia, horário”[7].
Como se vê, nos litígios em que se discute o emprego de meios de certificação não emitidos pelo ICP-Brasil, o debate frequentemente diz respeito à existência ou não de prova de que as partes, ou a pessoa a quem se pretende impor o documento, admitiram como válido o certificado utilizado. Mas, afinal, no que consistiria aludida prova? Ao menos até o momento, não parece haver definição absolutamente segura a esse respeito.
Verifica-se, portanto, que, muito embora o arcabouço normativo atualmente em vigor admita a existência de três espécies distintas de assinaturas eletrônicas, a utilização de certificado emitido pelo ICP-Brasil continua sendo a alternativa mais segura, pois é a única que, nos termos do artigo 10, §1º, da Medida Provisória n.º 2.200, gera, independentemente de outros requisitos, presunção de veracidade. O emprego de outros meios de certificação da autenticidade da assinatura digital, embora admitido, exige cautelas adicionais, notadamente no que diz respeito à prova da inequívoca admissão de sua validade pelas partes signatárias ou pela pessoa a quem o documento seja oposto. E as circunstâncias que permitem concluir pela existência ou não dessa prova têm sido objeto de debate em nossos tribunais.