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A MP 1.152/22 e a novas regras de Transfer Pricing
30/12/2022

A MP 1.152/22 e a novas regras de Transfer Pricing

2022 termina com muitas mudanças no sistema tributário brasileiro, que demandarão atenção dos contribuintes logo na próxima Segunda-feira. Ontem, no que parece ter sido a última medida tributária de seu mandato, o Presidente da República publicou a Medida Provisória (MP) nº 1.152/22, que institui uma nova política de Preços de Transferência (Transfer Pricing – TP) no País, alinhada às diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Embora o início de sua vigência esteja previsto para 1º/01/2024, a adoção das novas regras de TP é facultativa (e, nesse caso, irretratável) para o exercício 2023, o que demanda uma análise criteriosa dos modelos de negócio até então adotados por empresas multinacionais.

As regras brasileiras de TP foram estabelecidas pela Lei nº 9.430/96, que passou a exigir uma série de controles, a partir de 1997, com o objetivo de inibir a prática de negócios internacionais entre partes relacionadas ou com residentes em paraísos fiscais, fora dos padrões de mercado. Posteriormente, transações com contrapartes beneficiárias de regimes fiscais privilegiados passaram a se sujeitar, também, aos controles de TP brasileiros.

O objetivo das regras de transfer pricing é garantir que os lucros auferidos em operações transnacionais seja adequadamente distribuído e tributado nos países de residência das partes envolvidas. A legislação atualmente vigente baseia-se em métodos pré-determinados para calcular o chamado “preço parâmetro”, ponto de partida para se avaliar se os custos e despesas incorridos, ou as receitas auferidas, em operações comerciais ou financeiras, devem ser ajustados na apuração do IRPJ e da CSLL.

Com a MP nº 1.152/22, um novo paradigma foi estabelecido para alinhar a política brasileira de TP às diretrizes da OCDE – uma das medidas necessárias para que o País se torne estado-membro da Organização. As novas regras de TP comportam uma série de conceitos e metodologias até então desconhecidos pelos contribuintes brasileiros, embora em grande parte já observados nos países-membros da OCDE.

Destaca-se a seleção do Método mais Apropriado (Best Method Rule), que exige que o contribuinte utilize, dentre os métodos disponíveis, aquele que resulte na mensuração mais confiável do preço arm´s lenth em uma determinada transação (preço de mercado, praticado entre partes não relacionadas), mesmo que resulte no reconhecimento de margem tributável superior à que seria obtida com a aplicação de outros métodos. De acordo com as atuais regras de TP, é possível optar pelo método mais benéfico, i.e., aquele que resulte num menor ajuste na apuração de IRPJ/CSLL.

A abordagem a ser dada às operações sujeitas aos controles de TP também foi fundamentalmente alterada. De acordo com as novas regras, uma vez identificadas as transações controladas, deverão ser analisadas as características do setor econômico, da empresa e contraparte(s), para seleção do(s) método(s) de TP a ser(m) utilizado(s) e realização de uma análise comparativa a partir de dados de outras transações consideradas comparáveis. Dentre os fatores de comparabilidade, foram previstos: (i) termos contratuais e evidências de conduta); (ii) funções desempenhadas pelas partes, ativos e riscos assumidos; (iii) características específicas dos bens, direitos ou serviços; (iv) circunstâncias econômicas das partes e do mercado; e (v) estratégia de negócios e outras características economicamente relevantes.

As margens fixas previstas na atual regulamentação de TP foram eliminadas e passarão a ser definidas a partir de estudos comparativos. Os métodos previstos na nova política de TP são:

* Preço Independente Comparável (PIC) – Comparable Uncontrolled Price Method (CUP), que consiste em comparar o preço da transação controlada com os preços ou os valores das contraprestações de transações comparáveis;

* Preço de Revenda menos Lucro (PRL) – Resale Price Method (RPM), mediante o qual compara-se a margem bruta que um adquirente obtém na revenda subsequente a uma transação controlada com aquela observada em operações entre partes não relacionadas em transações comparáveis;

* Custo mais Lucro (MCL) – Cost Plus Method (CPLM), método em que se compara a margem de lucro bruto obtida pelo fornecedor em uma transação controlada com as margens em transações comparáveis;

* Margem Líquida da Transação (MLT) – Transactional Net Margin Method (TNMM), que consiste na comparação entre a margem líquida da transação controlada e as margens líquidas de transações comparáveis, calculadas com base em indicador de rentabilidade apropriado;

* Divisão do Lucro (MDL) – Profit Split Method (PSM), no qual aplica-se uma metodologia para divisão de lucros/perdas de acordo com operações comparáveis entre partes não relacionadas; e

* Outros métodos, desde que produzam resultados consistentes com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas.

Os ajustes de TP a serem realizados pelas empresas brasileiras também foram modificados. De acordo com as novas regras, são previstas quatro modalidades de ajustes: (i) ajuste espontâneo, efetuado pela própria pessoa jurídica em conformidade com o princípio arm’s length, (ii) ajuste compensatório, realizado pelas partes até o encerramento do ano-calendário para ajustar o valor da transação, (iii) ajuste primário, aplicado pela autoridade fiscal, se houver desconformidade dos ajustes espontâneo e secundário com o padrão arm’s length e (iv) ajuste secundário, que decorre dos ajustes anteriores, com o intuito de afastar eventual dupla tributação.

A MP traz uma série de outras alterações relevantes nas regras de TP, tais como:

  1. Conceito de partes relacionadas: foi ampliado, para incluir sociedades em que haja influência significativa (“influência, exercida direta ou indiretamente por outra parte, que possa levar ao estabelecimento de termos e condições em suas transações que divirjam daqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis”), a exemplo das coligadas.
  1. Intangíveis: a MP amplia o conceito de intangíveis, incluindo os ativos que, não sendo tangíveis ou financeiros, possam ser detidos ou controlados para uso nas atividades comerciais e cujo uso ou transferência seria remunerado, caso a transação ocorresse entre partes não relacionadas, independentemente de serem passíveis de registro ou proteção legal ou de serem reconhecidos como ativo ou ativo intangível para fins contábeis. Os resultados das operações com intangíveis serão alocados com base nas contribuições fornecidas pelas partes e, em especial, nas funções desempenhadas em relação ao intangível e nos riscos associados a essas funções (análise DEMPE – Development, Enhancement, Maintenance, Protection and Exploitation).
  1. Royalties: revogadas as normas gerais de restrição de dedutibilidade. Royalties passam a ser indedutíveis, assim como a remuneração por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, quando pagos a residentes em paraísos fiscais ou sujeitos a regimes fiscais privilegiados.
  1. Operações Financeiras: empréstimos realizados por partes relacionadas poderão ser qualificados como operação de dívida ou de capital, dependendo das características econômicas envolvidas. Caso a operação seja qualificada como de capital, os juros serão indedutíveis. Garantias intragrupo passam a ser qualificadas como serviço, hipótese em que será admitida remuneração, ou como atividade de sócio / contribuição de capital, que não comporta remuneração.
  1. Juros: dedutibilidade limitada a dos investimentos em títulos públicos ou por taxa de juro ajustada ao risco assumido pelo credor, nas operações qualificadas como de dívida. Além disso, os juros pagos a entidades em paraísos fiscais passam a ser indedutíveis.
  1. Contratos de compartilhamento de custos: diferentemente dos tradicionais contratos de cost sharing celebrados no Brasil, caracterizam-se como contratos de compartilhamento de custos aqueles em que duas ou mais partes relacionadas acordam em repartir as contribuições e os riscos relativos à aquisição, produção ou desenvolvimento conjunto de serviços, intangíveis ou de ativos tangíveis, proporcionalmente aos benefícios esperados. Contratos que possuam como objeto serviços de back office passam a se sujeitar às regras de serviços intragrupo;
  1. Reestruturação de negócios: as modificações nas relações comerciais ou financeiras entre partes relacionadas que resultem na transferência de lucro potencial ou em benefícios ou prejuízos para qualquer uma das partes passam a se sujeitar aos controles de TP; 
  1. Safe Harbors e demais medidas: as hipóteses de simplificação da aplicação das regras de TP deverão ser objeto de regulamentação pela Receita Federal. Também é prevista a possibilidade de serem realizados processos de consulta a respeito da metodologia a ser utilizada pelo contribuinte, bem como procedimentos amigáveis, nos termos do tratado para evitar a dupla tributação aplicável.
  2. Solução de disputas: caso, em razão da aplicação das regras de TP, haja dupla tributação de lucros pelo Brasil e/ou pelo país de residência da parte relacionada, signatário de tratado, poderá ser adotado método de solução de disputas e redução da base tributável para corrigir eventuais distorções.
  1. Pessoas Físicas: ao contrário do que dispunham as antigas regras, estão sujeitas à nova política de TP as transações efetuadas por pessoas físicas residentes no Brasil com partes residentes em paraísos fiscais ou beneficiárias de regime fiscal privilegiado.

Dentre outras medidas, a MP 1.152/22 ainda possibilita a desconsideração ou substituição de operação controlada, regula o cash pooling (gestão centralizada de tesouraria) e considera como “paraíso fiscal” ou “regime fiscal privilegiado” aqueles que não tributem a renda ou que a tributem a alíquota máxima inferior a 17%.

A prestação de informações sobre a conformidade com as novas regras de TP deverá ser regulamentada pela Receita Federal, e a MP prevê multas entre R$20mil e R$5milhões pelo descumprimento de tais obrigações acessórias.

MP nº 1.152/22 deverá ser convertida em lei em até 120 dias pelo Congresso Nacional, para que seus efeitos sejam convalidados, e aguarda-se uma detalhada regulamentação para viabilizar a sua aplicação.

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