A União pode ter que arcar com um custo estimado em R$ 18 bilhões se a Eletrobras não tiver sucesso na privatização das distribuidoras Amazonas Energia e Ceal (Alagoas). Pareceres jurídicos encomendados pela estatal e pelo BNDES divergem sobre quem deve arcar com o custo de uma eventual liquidação das empresas.
A disputa é jurídica e baseada em duas leis diferentes, mas, ainda que não seja uma questão pacificada, as consequências podem levar a uma briga na Justiça sobre quem pagará a conta – principalmente pelo fato de, como sociedade de economia mista, a Eletrobras ter acionistas minoritários privados.
A própria estatal disse, na proposta da administração para a próxima assembleia-geral extraordinária (AGE), ver “risco exacerbado” de judicializações sobre o tema devido à complexidade jurídica das liquidações.
O leilão de privatização da Amazonas Energia está marcado para 10 de dezembro, mas ainda não se sabe se haverá interessados na empresa. A Medida Provisória (MP) 855 resolve grande parte dos problemas da concessionária, viabilizando sua operação futura do ponto de vista econômico-financeiro, mas os investidores ainda temem se comprometer com a aquisição antes que o texto seja convertido em lei.
No caso da Ceal, a venda estava suspensa por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi derrubada ontem, permitindo a retomada do processo de venda. Ao Valor o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, celebrou a decisão do STF e disse acreditar que a realização do leilão o mais brevemente possível afasta o risco de liquidação da empresa.
Como a Ceal é considerada uma empresa atrativa, sua venda não deve ser um problema, e a expectativa é que o leilão atraia vários interessados. Mesmo assim, a eventual frustração do leilão da Amazonas Energia impõe um desafio significativo ao governo. A liquidação da concessionária, sozinha, custaria R$ 16,5 bilhões.
No caso de fracasso das vendas, existem quatro pareceres externos, dos juristas Nelson Eizirik, Arnoldo Wald, Gustavo Binenbojm e Thomas Felsberg, que dizem que o custo é da União, com base da Lei 8.029 de 1990. Nesse cenário, a União é sucessora dos direitos e das obrigações das entidades que venham a ser extintas ou dissolvidas, sem custo para a Eletrobras.
Outros dois pareceres, dos escritórios Bocater Advogados e Loeser e Portela, o último contratado pelo BNDES, posicionam-se pela aplicação da Lei 6.404 de 1976, a Lei das Sociedades por Ações, na qual entendem que a Eletrobras seria responsável pelos custos da liquidação. Os juristas que defendem a aplicação dessa legislação apontam que a decisão da Eletrobras de proceder com a liquidação das distribuidoras tem caráter exclusivamente empresarial e estratégico. Como não decorreu de ato do Poder Executivo, não seria aplicável à lei que rege as dissoluções de estatais, apenas a Lei das S.A.
O parecer mais recente foi elaborado por Felsberg, publicado em agosto, e avalia que a Lei 8.029, ao determinar as regras de liquidação e dissolução de empresas públicas, tem um caráter geral e abstrato e pode ser considerada “o estatuto geral” aplicável à dissolução de estatais.
Segundo Felsberg, não é correto afirmar que a decisão de liquidar cabe à própria estatal, pois a portaria 301 do Ministério de Minas e Energia (MME), publicada em julho deste ano, já previa a liquidação das distribuidoras caso a alienação de controle não ocorresse até o fim do ano. Outras medidas do poder concedente, entre portarias e MPs, também deixavam claro que, caso o leilão não tivesse sucesso, o caminho seria a liquidação.
O trâmite societário para a decisão sobre a dissolução das distribuidoras deverá se dar mediante uma assembleia-geral extraordinária no âmbito de cada distribuidora. De acordo com o parecer de Felsberg, considerando que acionistas minoritários da Eletrobras já se manifestaram no sentido de que a União será a sucessora da estatal nos custos da liquidação, se os administradores da companhia votarem de forma contrária, há chance real de responsabilização dos administradores da companhia.
O futuro das distribuidoras da Eletrobras deve ser decidido em 28 de dezembro, quando a assembleia-geral decide se a estatal continua operando as empresas até 31 de março ou se mantém a data final em 31 de dezembro.
Além da discussão sobre o custo da liquidação para a Eletrobras e para a União, o fracasso na venda das distribuidoras pode trazer também problemas para a Petrobras. A Eletrobras é garantidora da dívida de R$ 16,7 bilhões repactuada com a petroleira e com a BR Distribuidora em abril. No caso da Amazonas Energia, a garantia por parte da Eletrobras perderá validade se a distribuidora for liquidada, com exceção dos contratos de gás natural, na qual as dívidas somavam R$ 5,6 bilhão em março. Resta a dívida de R$ 7,6 bilhões da Amazonas referente às compras de óleo combustível, que não terá garantia em caso de liquidação.
Fonte: Valor Econômico / 30.11.2018